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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

A MULHER E AS PERIPÉCIAS DA IDADE





A MULHER E AS PERIPÉCIAS DA IDADE
1
Recebi duma comadre
O nome não vou dizer
Uma carta reclamando
Da vida ao envelhecer
Chorosa se maldizia
Até falava heresia
Porém fiz questão de ler:
2
Saudações minha comadre
Espero que esteja bem
Pois aqui vou como posso
Pouca coisa me entretém
Não sei que será de mim
Chegou a velhice, enfim
Trazendo o que não convém.
3
Se me levantar depressa
Me levanto com tonteira
Se não correr pro banheiro
A xana vira torneira
Se eu começar a tossir
Comadre, não é pra rir!
Já começa a peidadeira.
4
Arrumei uma bengala
É nela que me seguro
Até que é jeitosinha
E me protege no escuro
Só assim eu passo a mão
Com certa satisfação
Num cajado de pau duro.
5
Minha vista estava curta
Porém mandei operar
O resultado foi bom
Eu nem posso reclamar
Eu que enxergava ruim
Vejo até um micuim
Bem antes dele coçar.
6
Os gemidos lá de casa
Não são gemidos de amor
Qualquer esforço que faço
Começo a gemer de dor
Não há tarefa sem ai
Quando um palavrão não sai
Grito por Nosso Senhor.
 
7
Agachar-me, faço bem
O problema é levantar
Não tenho força nas pernas
Que possam me impulsionar
Sofro, porém, dou meu jeito
Nada no mundo é perfeito
Eu tenho que aguentar.
8
Quando me vejo no espelho
Meu Deus, que situação
Tem prega pra todo lado
Deus não teve compaixão
Botox não vou botar
Também não quero operar
Plástica não faço não.
9
A bunda já ficou murcha
Caída se quer saber
A calcinha virou calçola
Para a desgraça esconder
Tudo enquanto vai caindo
Da desgraça vou sorrindo
Pra minorar o sofrer.
10
Aqueles seios bonitos
Que eu tinha na juventude
Que amamentaram meus filhos
Lhes repassando saúde
Já não são mais exibidos
Atualmente estão caídos
Perderam a plenitude.
11
A carne só como mole
Vou chupando se for dura
Meus dentes se desgastaram
Venho usando dentadura
Isso eu chamo de maldade
Porque morro de vontade
De mastigar rapadura.
12
No boxe do meu banheiro
Eu costumo sempre usar
Um tapete de borracha
Que é mais firme pra pisar
Velha não pode cair
Tenho que me prevenir
Não deixo de me cuidar
13
Aquele creme cheiroso
Que sempre gostei de usar
andei trocando por outro
O fiz com grande pesar
Vem escrito na embalagem
É creme para massagem
Próprio pra lubrificar.
14
Para melhorar as juntas
Uso sebo de carneiro
Para aliviar as cãibras
Passo arnica bem ligeiro
E tenho minhas reservas
Que é do gel Sete Ervas
Esse, sim, é milagreiro.
15
Eu   não tenho uma suíte
Porém sou remediada
Para não passar aperto
E nem aprontar cagada
Um penico já comprei
E no meu quarto instalei
Pra ficar despreocupada.
16
Caminhar, até caminho
Contudo já estou manca
O meu boi da cara preta
Virou boi da cara branca
Para falar a verdade
Eu já perdi a vontade
De pegar numa chibanca.
17
Marquei ginecologista
Porém fiquei acanhada
E no boi da cara branca
Eu quis dar uma arrumada
Sem querer sair da linha
Só não me lasquei todinha
Porque já nasci lascada.
18
Dias antes da consulta
Resolvi me barbear
Quase que eu me cortava
Mas achei melhor parar
Pra não ficar esquisito
Eu levei o meu “priquito”
No salão pra depilar.
19
Paguei todos meus pecados
Nessa tal depilação
Com cera quente no bicho
A moça deu um puxão
Gritei puta que pariu
Sapecaram meu chimbiu
Sentindo o cheiro do cão.
20
Revoltada fui pra casa
Andando de perna aberta
Botei um ventilador
E me deitei descoberta
Pra refrescar o pelado
Que continuava inchado
Vibrando com pisca alerta.
21
Uma coisa lhe garanto
Minha comadre querida
Nunca mais vou depilar
Os pelos da perseguida
Inda estou me maldizendo
Pois ela escapou fedendo
Mas me deixou combalida.
22
Desculpe minha comadre
Foi grande meu alarido
Apesar de tudo isso
Na vida vejo sentido
Pra suportar a jornada
Estou bem acompanhada
Tenho filhos e marido.
23
Da carta espero resposta
Responda por caridade
Me diga como se sente.
Na tal da melhor idade
Estou brigando com ela
Entretanto a vida é bela
Mesmo com dificuldade.
24
Comadre chego ao final
Dessa minha narrativa
Resolvi desabafar
Nas linhas dessa missiva
Receba meu forte abraço
Para apertar nosso laço
De maneira afirmativa.
*
Cordel de Dalinha Catunda
 
*
Nota da autora
A idade chega, é inevitável! Não adianta chorar, lamentar, porque pior do que envelhecer é partir, antes da hora, para o reino eterno.
Em conversa com amigas, sempre vem à tona os contratempos da velhice. As queixas são muitas e foi assim que nasceu em mim a vontade de escrever um cordel expondo essas lamúrias, mas de modo especial.
Como gosto de um gracejo, e acho que não devemos levar a vida tão a sério, meu relato é feito em forma de carta, num tom jocoso, propositalmente, para arrancar sorrisos e zombar da tão propagada melhor idade que inevitavelmente nos acomete.
Acredite: Nada como o bom humor para minorar as desventuras.
Dalinha Catunda
dalinhaac@gmail.com