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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A MULHER NA LINHA DO CORDEL

A MULHER NA LINHA DO CORDEL

1

Ao puxar pela lembrança

E recorrendo a memória

Pego o novelo do tempo

Desenrolo minha história

 Sem temer fuso que fere

Adormecendo a vitória.

2

Minha tia me ensinou,

Gostar de literatura

E com isso adquiri

Bastante desenvoltura,

Hoje coso pinto e bordo,

Quando se fala em cultura.

3

Minha avó não foi mulher

De viver só em borralho

Com jeito e com paciência

Tramava belo trabalho,

Do pedaço e das emendas,

Fez a colcha de retalho.

4

Minha mãe foi costureira

E é poeta popular,

Feito ela eu faço versos

E gosto de pontear

Nos versos ou nas agulhas

Não sou de me atrapalhar.

5

Herdeira deste legado

Não quero desperdiçar,

Seguindo o mesmo modelo

Arte faço ao tracejar,

Ao medir cada detalhe

Na hora de projetar.

6

Já peguei linha e agulha

Pro meu cordel costurar

E num enredo envolvente

Eu pretendo me embrenhar

Não vou dar ponto sem nó

Pois gosto de arrematar

7

Vou trazer nesta montagem

Um colorido diverso

Na hora de alinhavar

Vou pegar verso por verso

E de retalho em retalho

Montarei este universo.

8

Por trabalhar com fartura

Tenho pano para manga,

Se sobrar um pedacinho,

Aproveito e faço a tanga,

Boto dois laços dos lados

E os enfeito com missanga.

9

Aprendi a fazer casa,

Também sei pregar botão,

Eu faço barra de calça,

De saia e combinação,

Na emenda e na costura

Sei fazer Maquinação

10

Se faço verso e fuxico

Não é por necessidade,

São duas tramas diversas

Pra quem tem habilidade

E eu gosto de exercitar

A minha capacidade.

11

Eu Já costurei caipira

Pros festejos de são João,

Para dançar em quadrilha

No meu saudoso sertão,

E tudo era alinhavado

Como manda a tradição.

12

Para fazer fantasia

Comprava um corte de chita,

E para enfeitar a roupa,

Era renda, bico e fita,

Na estampa e no babado

Dançava a moça bonita.

13

No pedal da minha máquina,

No balanço do meu pé.

Fiz traje de são Francisco

Pra gente que tinha fé

Ir pagar sua promessa

Pras bandas do Canindé.

14

Pegando a linha do tempo,

Nos tempos da punição,

Quem vivia no pecado

Para de Deus ter perdão

O castigo era mortalha,

Para ter a remissão.

15

E só para não perder

O fio desta meada

Quando a pessoa morria

Era pra ser enterrada

Vestida numa mortalha

Uma veste encomendada.

16

Quando morria a criança,

De anjo era nomeada.

O caixãozinho era azul,

 E a vestimenta azulada

Tudo era da cor do céu,

Da sua nova morada.

17

E no maquinar da vida

As cores tinham função,

Em fantasias e mantos

Davam tom a tradição,

Remontando este passado,

Registro a informação.

18

A minha mãe me contava

Do seu passado animado

Que tinha lá dois partidos:

Era azul e o encarnado

E no tempo das quermesses,

O debate era animado.

19

Cada grupo se vestia

Com cores do seu partido,

Era um combate ferrenho

Porém muito divertido

E o dinheiro arrecadado

Na igreja era investido.

20

E por falar em Igreja,

Em rezas e ladainha,

Cada padre que chegava

Em minha santa terrinha

Em pouco tempo perdia,

A vocação que ele tinha.

21

Eu não sei se era o calor

Da tal terra nordestina

Ou tão-só o velho fogo

Por debaixo da batina

Alterando nos vigários

A sua santa rotina.

22

Casou um e casou dois,

Casou três e casou mais,

Uns apenas namoraram

Provocando alguns ais,

Já outros tiveram filhos

Sem registro nos anais.

23

Entre as pregas da cortina,

E o franzido do babado

No levantar da batina

O fato era consumado

Era o mesmo que pecava

Dizendo: tá perdoado!

24

Católica e pecadora,

Na igreja fui batizada.

Fiz primeira comunhão

Finalmente fui crismada,

Cada rito uma batinha

Branca, bela e bem bordada.

25

No ziguezague da vida,

Eu já cresci moça arteira,

Esqueci os mandamentos

Logo virei mãe solteira,

Levando sermão do padre

Que pecou e fez besteira.

26

A moral e os bons costumes,

Daquela gente fingida

Que precisava de emenda

E tinha a vida puída

Foi o motivo maior

Da minha triste partida

27

E nos moldes dessa história,

O sagrado e o profano

Dividem a mesma linha

Disputando o mesmo pano

Saudando a hipocrisia

 A companheira do engano.

28

No recorte das palavras

Vim vestida de poesia

Entrelacei alguns temas

Que devia e não devia

Cada laçada que eu dava

Verdades apreendia.

29

Cada ponto desta história

É conto do meu lugar

Não aumento nem invento,

Não venha me contestar!

O que contei nestes versos

Você cansou de escutar.

30

Andei furando meu dedo

Por não gostar de dedal.

Eu já lambi muita linha,

Garanto que não faz mal

E seguindo o passo a passo

Cheguei ao ponto final

31

Aqui só não costurei

A boca grande do sapo,

Por não querer ser chamada

Língua ferina de trapo,

Quer você goste ou não goste

É verdadeiro meu papo.

32

Esta é mais uma história,

Nos trilhos da minha Linha

Fruto da minha linhagem,

Com meu passado se alinha

E quem assina estes versos,

É simplesmente: DALINHA!

FIM

Cordel e capa de Dalinha Catunda

Publicado em 2013

 dalinhaac@gmail.com

5 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Bom dia

Poesia popular é sempre maravilhosa

Adorei ler

Fique feliz
**************************
http://pensamentosedevaneiosdoaguialivre.blogspot.pt/

Cidália Ferreira disse...

Fabuloso...
Sempre as tradições...gostei de ler

O bom que é, são as heranças que ficam. Lindo

beijo

http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/

chica disse...

Tu não deves arrematar nunca, pois deves continuar sempre. LINDO! beijos,chica

Nelcima De Morais disse...

Só você, Dalinha! belíssimo!

Anônimo disse...

Parabéns grande poetisa Dalinha, por mais um espetáculo de cordel.
Abraços e votos de mais e mais inspiração!
Josenir Lacerda