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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A SAGA DO SABUGO




ACRE, CEARÁ E MINAS GERAIS UNIDOS EM NOME DO SABUGO

A Revista Globo Rural do mês de outubro, publicou uma interessante crônica de Reinaldo Moraes intitulada, SABUGO SECO. No texto ele aborda discretamente uma das utilidades do sabugo.

No blog do Lima Coelho o assunto também foi abordado. Dos comentários surgiu a idéia de levarmos adiante o assunto.

O primeiro a publicar em blog foi Eurico Andrade. Após os comentários, meus e da Leila, ele sugeriu que fizéssemos uns versos para postarmos juntos.
Eis o resultado:

A SAGA DO SABUGO

Dalinha Catunda

.
Meu amigo quem acha,
Que o sabugo é vilão.
Nunca correu pro mato,
Bem cheio de precisão.
E após fazer o serviço
Com muito sacrifício
Lhe faltou papel a mão.
.
Um sabugo perdido,
No meio do milharal,
É a salvação da lavoura
E até que não pega mal.
Quem é que vai recusar,
De com ele se limpar
Se não há escolha afinal?
.
Não fiquem de boca aberta.
Nem pensem que é novidade.
Ele já foi muito apreciado,
Nos campos e na cidade.
Passou na bunda de gente
Que se dizia bem decente,
E de uma alta sociedade.
.
O sabugo meu camarada,
Já foi de grande valia.
Bunda de ricos e pobres,
Era ele quem acudia.
Mas o povo é bem cruel
Agora que existe papel,
O pobre sabugo repudia.
.
Nos tempos idos era tido,
Como a melhor solução.
Ele limpa, coça e penteia,
Propagava a população.
Que hoje o sabugo renega,
Mas já teve ele nas pregas,
Meu Deus! Que ingratidão.


Pau da Gata

Leila Jalul é procuradora aposentada da Universidade Federal do Acre.


Lá na terra onde eu morava
Para trás quarenta anos
O saneamento básico
Só existia nos planos
Governo só prometia
A construção das latrinas
Só de promessas o povo
Já não se satisfazia

Privada com fossa séptica
Era coisa de barão
O povim das capoeiras
Com sol, com chuva, ou trovão
Independente da hora
Tinha que correr pro mato
Pra não sofrer da agonia
Pra não morrer de vergonha
De borrar o próprio chão

Tinha um tal de pau da gata
Atravessado em fileira
Dispostos dois, lado a lado
Exigia do marmanjo
Um equilíbrio difícil
Se o tijolo fosse duro
O negócio era mais brando
Mas quando o troço era mole
Não raro fazia rima
A melequeira voltava
O que descia pra baixo
Voltava logo pra cima

Na escuridão do mato
Para limpar o senhorio
Valia qualquer folhagem
Só urtiga não servia
Em casa de muita gente
Até sabugo faltava
A molecada cagona
Comia coisa estragada
Acabando com o estoque
No paiol da milharada
A coisa ficava preta
Quando a turma enfileirada
Tinha que esperar calada
O desocupar do trono
Do maldito pau da gata

Hoje tudo é moderno
Acabou a desgraceira
De ficar acocorado
Na escuridão da mata
Fazendo as necessidades
No diabo do pau da gata
Qualquer casinha de pobre
Tem lá sua outra casinha
Às vezes bem perfumadas
Às vezes bem fedidinhas
Não há lugar mais distante
Que não saiba da existência
Do tal papel enrrolado
Que assumiu as funções
Do sabugo e das folhinhas.

As Utilidades do Sabugo
Eurico de Andrade é professor e jornalista em Brasília. Nasceu em Bambuí-MG.

Óia, panela, amanhã tem treis pião na capina do cafezal novo, viu?!...
E Tunicão bateu com a colher de pau na panela que, supitante, cozinhava feijão naquele começo de noite fria lá do sertão.
Quem não conhece o Tunicão, ao vê-lo conversar com a panela, pensaria tá lelé. Mas não. Ele fica na espreita, até a Deja aparecer na cozinha. Niquiela vem, ele bate na panela com a colher de pau e solta o verbo. A mulher se sente avisada e sabedora de que tem que fazer almoço para mais três pessoas no dia seguinte.
Assim é a vida dos dois que, há quase quinze anos - dos vinte e poucos em que estão juntos - não se falam. Deja faz tudo do terreiro pra dentro e Tunicão, do terreiro pra roça. Quando ela quer dar um aviso pro marido, chama a velha Joaninha que, contrariada, dá os recados pra lá e pra cá. Com Tunicão nada de rebaixamentos. Raramente tem o que falar à mulher. E, na hora do aperto, bate na panela e é atendido no ato.
Essa vida sistemática do casal não impede que os dois tenham lá suas intimidades. Mesmo de mal, - nem sabem mais porque brigaram -, dormem juntos e Tunicão, noite sim, noite não, procura a Deja. Ela se descobre e o recebe. Tão logo ele acaba, ela se recobre sem dizer um a.
Tunicão, é bom que se diga, não é homem de gastar dinheiro. Pra nada. Na sua terrinha, de uns poucos alqueires, produz o que precisa e fala pra todo mundo lá em casa só compro sal. E ai da panela, se ele achar que Deja não economiza e exagera no sal. Reclamação certa. Tunicão produz arroz, feijão, milho e café. Guarda o da despesa, vende o que sobra e bota o dinheiro no banco, na cidade. Pra misturar com o arroz e feijão cria uns porquinhos, umas galinhas e até umas vaquinhas. Vez ou outra mata um desses bichos pra servir de mistura. O excedente vende. Dinheiro no banco. Ainda pra mistura, o Tunicão planta umas mandiocas, inhame, batata-doce, abóbora, chuchu e, na horta de couve, couve, tomate, alface, almeirão caipira e outros verdes. Tem fruta também, no quintal. Laranja, ingá, banana, abacaxi, murici, articum e jenipapo. Dá pra ver que o homem é controlado e que comem bem naquela casa. Mas tem um problema. A economia do Tunicão impede que naquela casa haja papel. Lá não se lê, portanto não se compra jornal e nem revista. Como também não se compra pão, não se tem, então, saco de papel. E papel higiênico então, aquelas bundas não conheciam. Por mais que Deja reclame pra velha Joaninha, Tunicão não cede. E Deja, ao fazer suas necessidades lá pros lados das bananeiras, tem que se contentar com as folhas. Diferentemente faz Tunicão. Vai sempre pro lado do paiol, onde, dicocado, enquanto faz o serviço, debulha milho pros porcos e faz montes e mais montes de sabugos. Tunicão gosta é dos sabugos e filosofa pra companheirama:
- Óia, sabuco é um trem muito importante, gente! Cheio de utilidade. Além de limpá, o danado coça e ainda penteia... Tem coisa mais mió?

19 comentários:

São disse...

Muito bem: recordemos as utlidades do sabugo, que ainda por cima foi ensjo para lermos tão bonitos textos!

Um abraço, amiga.

Ricardo Aragão disse...

Minha querida amiga Dalinha...

Você não existe, criatura! Trouxe a grande e obscura utilidade de um mero sabugo.

Quem nunca usou um sabugo pra fazer a assepsia da retaguarda após as necessidades no meio do mato, certamente usou alguma folhagem... mas cuidado com as plantas que escolhe pra “limpeza”.

Não resisti... A Saga do Sabugo me inspirou. Não a fazer aquilo no mato, mas a lembrar de outras alternativas a esse instrumento nas horas de aflição. Tá no blog IPU EM CRÔNICAS.

Um grande abraço.
Ricardo Aragão

Ricardo Aragão disse...

Pra quem não encontra sabugo...



ALTERNATIVAS PRO SABUGO


Mas que história engraçada,
Que nos contou a Dalinha!
Narrando a “Saga do Sabugo”
E a serventia que ele tinha.
Que tinha não... que tem!
E que não duvide ninguém
Na hora daquela fininha.


O sabugo é muito útil
Pra quem anda pelo mato.
Mas se não achar sabugo,
Não interrompa seu fato.
Se estiver num tabuleiro,
Se acocore num moiteiro
E use as folhas no ato.


Mas cuidado nessa hora,
Nem toda folha se usa.
Algumas são muito lisas,
Em vez de limpar, lambuza.
E se coçar na sua mão,
Com certeza é cansanção
E quem sofre é seu Fiúza!


Por isso é que nessas horas,
Bom mesmo é ser prevenido.
Ou leva logo um sabugo,
Ou folha de jornal já lido.
Só não deixe de fazer,
Cuide logo em descumer,
Pra não ficar entupido!



Ricardo Aragão
Ipu, 08/01/10

Eurico de Andrade disse...

Dalinha,
Você é o máximo, menina! Parabéns pelo que vc fez. Ajudou-me a pegar uma coisiquita considerada tão inútil e transformou-a no ó do borogodó...
Parabéns. Vou colocar o link no Tabuí. Aguarde e confie...

Tais Luso de Carvalho disse...

Dalinha, 'A saga do Sabugo' ficará nos anais da história 'desse país'.

meu carinho, amiga!
tais luso

CESAR CRUZ disse...

Sensacionais!!! Para escrever tão incríveis poemas, só tendo anus de experiência no ramo, digo, na mata!

bjão
Cesar

DE-PROPOSITO disse...

As incomodidades de quem trabalha no campo. O ter de se socorrer com o que lhe vem à mão (neste caso o sabugo).
----------
Felicidades.
Manuel

Maria Emília disse...

Fantástico, Dalinha, como do simples sabugo se pode tirar tão rica poesia. Imagino o gozo que vos deve ter dado fazer este trabalho.
Um grande beijinho,
Maria Emília

João Alberto disse...

Olá Dalinha,
Você e Leila são fantásticas. A Saga do Sabugo e o Pau da Gata nos traz à atualidade, lembranças do velho e grande utilitário de tempos atrás. Lembro de ter ligo em algum lugar que: A principal alegação para o uso do sabugo era a de que ele reunia três importantes funções: limpava, coçava e penteava.
Grande abraço.

AFRICA EM POESIA disse...

Com um beijo

RUGIDO

Rugido
Rugido forte
Rugido de Leão...
Leão verde, castanho ou amarelo
Animal...Rei...
Rei da selva...
Rei do Mundo...
Fazes inveja...
Fazes sofrer...
Mas és o nosso símbolo...
Símbolo nobre e corajoso...
E por isso...
Nós sofremos contigo...
Gostamos de ti...
Quando ganhamos...
E quando perdemos...
E no perder...
Ainda te queremos mais...
Pois aí sentimos o carinho...
De te confortar...
De te pagar devagarinho...
E dizer-te baixinho...
Amanhã, vamos ganhar!...

LILI LARANJO

Hélia Barbosa disse...

rsrs...

Só você mesma, amiga, pra transformar em poesia essa utilidade do sabugo!!

Mas fica um cordel perfeito mesmo, pensando bem!!

Adorei os três enfoques, ficou maravilhoso o post!!

Meu pai veio da roça e meu marido foi escoteiro... Eu nunca usei o sabugo pra esses fins, mas já ouvi boas histórias!! hehehe

Beijão, amiga!!

Estava com saudade daqui!!

^^

José Leite disse...

O sabugo nem imagina o hino que aqui está!

Merece uma estátua, o sabugo e... quem fez isto!

. disse...

A escritora Dalinha Catunda, em seu cordel SAGA DO SABUGO, consegue penetrar na medula da nossa intimidade fisiológica com muito humor, mas sem quaisquer resquícios de chuleza aparente.

De início, nossa atenção se volta para o título. Por dois motivos: primeiro, pelo o emprego da figura de linguagem aliteração e segundo, porque as palavras SAGA e SABUGO nos remetem à ideia de magnitude e pequenez respectivamente. É a opulência de “SAGA” contrastando com este secular refugo que se torna 'magno' diante uma “precisão”.

Dalinha, evidencia mais uma vez sua ousadia, desta feita ao narrar a história do indispensável, simples, sem escolha... sabugo. O mais utilizado, senão o único `ILB' (Instrumento Limpatício Bundal. ) de que se tem notícia.

(...)
“Quem é que vai recusar,
De com ele se limpar
Se não há escolha afinal?”

E, para as gentes chiques, modernosas e com boca de espanto, a cordelista de Ipueiras, sapeca estes versos, cortando-lhes as `asas' ao dizer, com propriedade, que o sabugo já limpara a bunda da alta sociedade:

“Não fiquem de boca aberta.
Nem pensem que é novidade.
Ele já foi muito apreciado,
Nos campos e na cidade.
Passou na bunda de gente
Que se dizia bem decente,
E de uma alta sociedade.”

E por fim, a poetisa diz que o sabugo nos “tempos idos era tido / como a melhor solução” pois “ele limpa, coça e penteia” e quem hoje o sabugo renega “já teve ele nas prega” E desabafa com Ele: Meu Deus! Que ingratidão.

* Visite o Cantinho da Dalinha!

* Sugue e sorva o que há de melhor da Cultura Nordestina!

* Sabuque-se do excesso desta “selva de pedras”!

Genny Xavier disse...

Querida Dalinha,
Parodiando o dito popular, eu diria: De sabugo em sabugo a gente se enche de riso.
Concordo com a Taís, os anais da história ainda reconhecerão o valor do sabugo (rsss).
Parabéns pelos deliciosos versos de criativa alegria e interessante sabedoria popular.
Beijos,
Genny

João Poeta disse...

Minha amiga, Dalinha
Hoje estou aqui de novo
Eu sou um homem do povo
Que já viveu no sertão
Agora estou na cidade
Cheio de mordomias e razão
Não preciso de sabugo
Que servia de combustivel
Para acender o fogão
E o que você disse nos versos
É fato de cosntatação.
Tenha um bom dia!
João

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Muito interessante seu blog.

Gostei.

Bom fim de semana

São disse...

Esperando que esteja tudo bem consigo, lhe desejo bom fim de semana.

CARLOS VAZCONCELOS disse...

Oi, Dalinha.
Tirei longo recesso, hein?
Estou voltando por aqui. O blogue está gostoso: tem milho, tapioca... sabores da terra.
E muita gente boa.
Abç.

Maria Emília disse...

Tenho sentido a falta dos seus comentários. Como mudei de blog e perdi os seguidores e os contactos não sei se o meu desapareceu também do seu blog.
Um beijinho,
Maria Emília