O Cantinho da Dalinha é também o canto do cordel. O picadeiro onde costumo entoar o meu canto em versos propagando a poesia popular. É o Canto de uma cearense que adora suas raízes, canto da mulher destemida que saiu das entranhas nordestinas e abriu uma janela para cantar sua aldeia para o mundo, Interagir com outros poetas cordelistas desfrutando deste mundo virtual. Sou Maria de Lourdes Aragão Catunda, a poeta de Ipueiras e do cordel, sou a Dalinha Catunda. dalinhaac@gmail.com
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domingo, 30 de setembro de 2007
O Drama da Égua da Secretária
O DRAMA DA ÉGUA DA SECRETÁRIA
Sou nordestina. Cearense, lá das Ipueiras. Moro no Rio de Janeiro há bastante tempo. Confesso que nunca chegou a me incomodar a diferença de cultura. Mas, de uns tempos para cá, o bicho pegou feio.
Imaginem! Tinha eu um telefone bem simples, que funcionava às mil maravilhas. Nunca me deu aporrinhações, a não ser uns poucos trotes, que respondi à altura.
Inventei de comprar um telefone moderno, com secretária, relógio, redial e tudo a que tinha direito. Tempos modernos... Render-me à tecnologia era o mínimo que eu poderia fazer.
Foi aí que começou o desatino. Empolgada, gravei logo duas mensagens, crente de que tava abafando. Quando me cansava de uma, substituía pela outra. Não sei qual das duas escutou mais desaforo.
Escute só o que minha própria família, sangue do meu sangue, teve coragem de fazer comigo.
Ligou-me mamãe... Não estando eu em casa, a secretária deu o ar da graça. O negócio foi feio. Não se entenderam mesmo, foi um tal de bater telefone, que só vendo.
Minha mãe, ofendidíssima, me liga em outro momento e, num misto de raiva e queixa, solta os bichos:
– Ooora Dalinha, eu liguei pra ti e uma cunhã sem-vergonha falou, falou, e depois bateu o telefone em minha cara. Onde já se viu?! E o pior é que eu acho que conheço aquela voz.
– Mãaaae, é a secretária!
Passou. Não demorou muito, nova encrenca, e tome desaforo. Meu irmão Tony... Achando-me depois de muitas tentativas.
– Dalinha, já liguei umas duzentas mil vezes e nunca te encontro. Eu tô pra mandar aquela tua secretária tomar no ...
– Ô Tony! Pelo amor de Deus, tenha dó!
Novas explicações! Diante de tanta incompreensão, resolvi dar férias a tal secretária, até que as coisas se acomodassem e a novidade fosse digerida.
Fim do descanso, retorno com a secretária.
Em pensamento, digo: Agora vai.
Vai sim, no mesmo rumo... Dessa vez, papai... Queixa grande... E bote carão!
– Que diacho é isso, Dalinha? Ligo, ligo, ligo, toca, toca, toca e ninguém atende. Agora liguei e uma égua véia sem-vergonha me disse que tu não tava em casa. Onde é que nós estamos? Ainda por cima me deixa falando sozinho... Isso é um desrespeito.
– Ô papai, essa “égua véia” sou eu. Sou eu, pai!...
Com Tony e papai me esmerando nas explicações, contornei a situação.
E mamãe? Mulher sentida e de brios...
A história até hoje rende.
Ela diz que tem quase certeza que de que aquela voz era a minha, que nunca vai engolir essa desfeita e jura de pé junto, em tom de queixa, para os outros irmãos que lhe bati o telefone na cara. Durma, com um barulho desses!
Eu, pobre mortal, além de aturar os insultos da família, que mora no Nordeste, tenho que aturar também a gozação de filhos e marido carioca. Pense!
Dalinha Aragão Catunda
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
O Menino do Mirador
O Menino do Mirador
Gonçalo foi um menino que aprendeu o oficio de ferreiro muito cedo com seu pai. Com ele aprendeu também a arte de tocar violão. Pobre, porém feliz, assim vivia Gonçalo no seu velho Mirador, município de Ipueiras.
Criado no mato, apaixonado por árvores e pássaros, chorou longe de sua terra natal quando atrás de trabalho teve que se ausentar. Sentia saudades dos velhos tempos , do feijão com toucinho e rapadura, do seu cavalo de estimação e das serenatas que fazia ao luar.
Quantas noites em claro... relembrando suas caminhadas no mato e repetindo para si o nome de cada árvore, fruta e animal que fizeram parte de sua vida no interior.
E lembrava da nambu e do caburé que cantavam de noite.Lembrava das caçadas aonde o patuá vinha cheio de preá, tatu, peba e mambira, e não esquecia o canto do cupido, do sabiá, do canário, do galo campina e tantos mais.
Sentia saudades das frutas silvestres que alegraram seu paladar de menino do interior, maracujá,canapúm,,trapiá,, genipapo entre tantas outras que guardou em sua lembrança.
E como esquecer as velhas árvores que sombreavam seus caminhos, ameixa, pereiro branco, Jucá, mulungú, mororó e o angico de resina dourada.
Como as árvores, os pássaros e os bichos ele também era raiz daquele chão, fruto daquela terra que da cabeça não lhe saia.
Viu a beleza do Rio de Janeiro, ganhou dinheiro em Brasília, mas tudo que ele queria era voltar a sua terra, tocar valsas em seu violão, beber um trago com os amigos e ouvir conversa fiada nas bodegas, como fazia antigamente.
Era um vitorioso, ganhar o mundo era ganhar desenvoltura, capacidade. De um simples pedreiro, Gonçalo passou a mestre de obra. Mas ainda era pouco para aquele que fora um menino sonhador. Era hora de voltar e abraçar sua terra e ser abraçado por ela.
E voltou ao velho e tão sonhado ninho. Casou, teve filhos, e governou Ipueiras durante seis anos, onde deixou seu nome escrito nas páginas da história ipueirense: Gonçalo Erasmo de Medeiros, foi prefeito de Ipueiras.
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
Estação do Amor
ESTAÇÃO DO AMOR
Se a primavera não trouxe
As flores que tanto querias,
Não desista dos teus sonhos,
Há primaveras sombrias.
Se plantaste tantos beijos
E só colheste saudades,
No chão cultivado
Faltou luz, fertilidade.
Por isso pega a enxada
E vai trabalhar outro chão.
Há flores esplendorosas,
Nascendo em pleno verão.
Não há tempo propício
P'ra se colher rosa, flor...
É só plantar com carinho,
Na estação do amor.
Sempre vivas as paixões,
Sempre hão de florescer.
Em terra bem adubada.
Não existe o fenecer.
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
Aniversário da ABLC
Aniversário da ABLC
Nesse 17 de setembro de 2007, a Academia Brasileira de Literatura de Cordel completou 19 anos de existência. Existência essa que se deve principalmente a grande dedicação do seu presidente Gonçalo Ferreira da Silva e da não menos dedicada, Maria do Livramento da Silva ou seja: A Madrinha Mena que junto a Gonçalo formam a base firme dessa estrutura cultural.
A reunião transcorreu num clima animado, onde diversos poetas apresentaram seus cordéis sob os aplausos dos presentes.
Eu, Dalinha Catunda fui a primeira convidada. Em homenagem aos nordestinos que ali se encontravam falei sobre migrantes e declamei um poema com esse tema.
Em seguida Sepalo Campelo fez uma merecida homenagem, ao já falecido, Francisco Silva Nobre que escreveu e publicou mais de cem livros, era um cearense de Morada Nova, grande incentivador da cultura em geral.
Marcus Lucena, cantor, cantador radialista, entre outras coisas, falou da Associação dos Amigos e Defensores da Feira Nordestina, criada recentemente com o intuito de devolver ao nordestino o espaço que hoje se encontra totalmente descaracterizado servindo a outras causas. A peleja é pela volta do espaço real dos nordestinos, onde o cordel e a cultural retomem o lugar merecido.
Não é possível falar de tudo e de todos porém ressalto a apresentação de Manoel Santa Maria que lá esteve com sua namorada Cátia. Um Mineiro de nascimento com uma alma tipicamente nordestina.
Destaco também a presença do cordelista do Rio Grande do Norte Izaías Gomes de Assis que arrancou aplausos da platéia e nos ofertou seus cordéis.
Entre os presentes a participação de Sergival oriundo de Aracaju que nos presenteou com um interessante trabalho cantado e batido na palma da mão.
Não poderia deixar de falar da figura sempre alegre do Campinense, do apoio da Maria do Rosário, sempre pedindo pela ABLC. Do bonito depoimento do Sr. Cavalcante. E das presenças indispensáveis de Dr William J. G. Pinto e Ivamberto.
Isso é mais ou menos um resumo do que fora a plenária em homenagem aos 19 anos de ABLC. Parabéns ao presidente Gonçalo e a Madrinha Mena por essa dedicação a cultura nordestina.
terça-feira, 18 de setembro de 2007
O Rádio e Tony Aragão
Tony Aragão já passou por quase todas as rádios que passaram por Ipueiras, e não poderia ser diferente. Seu carisma, seu talento, seu jeito singular de apresentar um programa fazem dele figura indispensável nas rádios da cidade.
Atualmente, pertence ao quadro da assessoria de imprensa da prefeitura de Ipueiras, cobrindo eventos oficiais e participando do programa canal livre, na rádio Macambira , um programa de utilidade publica.
Na rádio Macambira, além de apresentar jornal, esportes, teve uma gama de programas nos mais variados horários. Entre eles: Voz e Violão, Bom dia Amizade, Tarde Jovem, Baião-de-dois e Ipueiras e Nossa Gente.
“O Ipueiras e Nossa Gente”, foi um programa idealizado por mim e Tony Aragão. A proposta era prestigiar os valores da nossa terra. Durante um ano participei via telefone, através de gravações e muitas vezes ao vivo. Foi um programa de sucesso. Tive um grande prazer em participar dessa empreitada com esse talentoso radialista.
Artista de talento comprovado. Dono de uma voz belíssima, Tony Aragão já cantou, em aniversários, casamentos, participou de conjuntos musicais, e ainda hoje além de cantar em eventos, é um seresteiro de mão cheia e um violonista de primeira, em plena atividade.
Atualmente Tony Aragão é contratado da FOX FM, rádio moderna que veio para fazer escola em Ipueiras e agregar os ipueirenses que vivem nesse mundão de meu Deus. Totalmente digitalizada nos oferece a oportunidade de uma tão sonhada linha direta com a terrinha.
Rádio café é o programa matutino apresentado por esse radialista ipueirense, começa as cinco da manhã e segue até as sete. Entre musicas sertanejas, forrós, serestas e outros ritmos, a cultura é prestigiada em forma de, lendas, causos e homenagens aos mais variados expoentes de nossa musica popular.
Enfim falar de Tony Aragão é falar de minha própria história, pois alem de ser sua irmã, muitas vezes trabalhamos juntos em prol da cultura de Ipueiras.
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
A passagem do Rei em Ipueiras
Era um dia de domingo, dia de trem vindo de Fortaleza para Crateús. A estação como de costume estava repleta de ipueirenses que antigamente tinham como lazer apreciar a passagem do trem.
Nesse dia o trem atrasara, para a felicidade e sorte dos ipueirenses que testemunharam a passagem de um Rei em nossa cidade.
Demonstrando fome, encosta na Banca de Dona Maria Capoeira e pede para que ela lhe prepare bastante orelha de porco, apelidando assim, um saboroso bolo de milho vendido pela cafezeira.
Depois da fome saciada em meio aos curiosos que se acotovelavam para vê-lo, puxou o dinheiro para pagar a conta, mas Zequinha Bento, que o reconhecera, já havia pagado a despesa. E pediu para o rei cantasse um pouco pois era seu fã.
A resposta do velho lua, foi que só cantaria se ele vendesse dez livretos, com o título de: “O Sanfoneiro do Riacho da Brígida” escrito pelo jornalista, Sinval Sá, contando a vida do famoso ícone nordestino.
Subiu com seus companheiros num banco de madeira que havia na estação, arrastou a sanfona velha e cantou para delírio daquela platéia feliz, preciosidades de seu repertório como: O Xote Das Meninas, Asa Branca, A Volta Da Asa Branca e Ô Veio Macho.
Antes de cantar o Gonzagão observou a platéia e se dirigiu a um dos componentes do conjunto em voz alta:---Toím, Tu já reparou que aqui de “nego” só eu e tu?
Infelizmente não presenciei esse importante acontecimento que ficou marcado em nossa história, apenas ouvi mais de uma vez os relatos de meu avô Gonçalo Ximenes Aragão que era chefe da estação ferroviária de Ipueiras, a famosa RVC que os gaiatos traduziam como:Rapariga Velha Cansada.
Além do meu avô, credito retalhos desse episódio a Tadeu fontenele e Zequinha Bento personagens da mesma história.
domingo, 2 de setembro de 2007
A Donzela Que Virou Índia
A
Donzela que Virou Índia
*
Contam-me
que certa vez,
Pras
bandas do Ararendá
Um
índio roubou Tereza
Pra
com ela se casar.
A
família ficou louca,
Acho
que dormiu de touca,
Pra
donzela se mandar.
*
De
família conceituada
De
um clã de tradição
A
mocinha raptada,
Da
família dos Mourão,
Mas
dizem que na verdade,
Ela
se foi por vontade
Seguindo
seu coração
*
Família
desesperada
A
procura da donzela,
Polícia
e até cachorro,
Colocaram
atrás dela.
Era
bem grande a tristeza,
E
por causa da Tereza,
Acenderam
até vela.
*
Pele
branca olhos azuis
Tinha
a donzela bonita
Tinha
o cabelo loirinho
Usava
laço de fita
Pelo
índio apaixonada
Meteu
o seu pé na estrada
Deixando
a família aflita
*
Passou
dia passou noite,
Passou
mês e passou ano,
Tantas
luas se passaram,
Então
veio o desengano.
Ele
comeu a donzela,
Cozida
numa panela,
O
povo estava falando.
*
Ele
não era antropófago
Nem
a comeu na gamela,
Foi
na rede de tucum,
Que
ele traçou a donzela,
E
todo ano nova cria,
A
ex-donzela paria
Sem
ligar para esparrela.
*
Aquela
cultura indígena,
A
branca tomou para si.
Adorava
o Deus Tupã
A
sua lua era Jaci.
Achou
por bem se despir,
Para
seu corpo sentir
Os
raios de Guaraci.
*
Sobe
rio, desce rio,
Assim
vivia Tereza
Agarrada
ao jacumã,
A
curtir a natureza
E era tanta alegria,
Que
ela contente sorria,
Usufruindo
a riqueza.
*
O
Conforto que ela tinha,
Na
cidade, lá deixou
cama,
chuveiro e penico,
Disso
nunca reclamou.
As
noites enluaradas,
De
estrelas salpicadas,
Compensava
o que largou.
*
Depois
de muito tempo,
Um
belo dia à tardinha,
Vestida
de índia guerreira
Apareceu
Terezinha
Dizendo
ter se casado,
E
tinha ali do seu lado,
Um
monte de indiazinha.
*
Com
uma flecha no ombro,
E
na cabeça um cocar,
Assim
desfilava a branca,
com
penacho e com colar,
E
nem mesmo Iracema,
A
que de Alencar foi tema
Tantas
penas soube usar.
*
Hoje
vivendo na mata,
Numa
aldeia, numa oca,
Aprendeu
a se fartar
Entrando
na mandioca
Rio
a cima ela se joga
Em
cima de uma piroga
Curtindo
em sua maloca.
*
Cordel
de Dalinha Catunda
Editado
em 2007
dalinhaac@gmail.com