Seguidores

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

SECA NÃO É CHORO DE POETA

Foto em Ipueiras no Ceará

SECA NÃO É CHORO DE POETA
*
Se seca fosse só lenda
Ou canto de nordestino
Bardo chorando o destino
Em rimas numa contenda
Para ganhar grana ou prenda,
O que avistei no sertão
Seria só ilusão,
Loucura de minha mente,
Que com certeza demente
Só ver alucinação.
*
Você que fala em progresso,
Projeto de irrigação
Vá visitar meu torrão
Porque lá terá acesso
Ao mais penoso processo
Duma seca de amargar,
Gado querendo pastar,
Açude virando lama
E quando um vate reclama,
O doutor chega a zombar.
*
O orvalho ao amanhecer
Alegra o olhar cansado
Do camponês esforçado,
Que nem sabe o que fazer,
Vendo o sol resplandecer,
De água só seu suor
O mundo já foi melhor
Diz olhando para o céu
E abraçando seu chapéu
Da vida espera o pior.
*
Por isso caro doutor
Faça um trabalho de campo
Pegue com gosto no trampo
Eu lhe peço, por favor,
Só assim vou dar valor
As lições que você dita
Conheça nossa desdita
Para dar opinião
Visite o meu sertão
Não queira só fazer fita.
*
Texto e foto de Dalinha Catunda

4 comentários:

Rosário Pinto disse...

Dalinha, este poema é DOS MELHORES que já li. Franqueza, franqueza? narrativa comovente, versos impecáveis e rimas de grande riqueza. PARABÉNS, MULHER! É assim que se marca a diferença. Mais franqueza, ainda? CHOREI.
Rosário

Dalinha Catunda disse...

Olá Rosário,
Obrigada pelo comentário, você é nordestina e sabe do que eu estou falando.
Fiz este poema em resposta a um "engenheiro agrônomo" que diz que a seca é só exagero de poeta e que o Nordeeste já mudou. Mudou, sim! e muito, mas a seca não pede licença e a paisagem apavorante é uma verdade e os problemas são muitos ainda.
Eu sei porque tenho animais e terras lá e vou muitas vezes ao Ceará.
Bjs e obrigada amiga.

Fred Monteiro da Cruz disse...

Dalinha.. Vivi no Ceará numa das piores secas que aconteceram no século passado: a de 57 a 58.. Até nas serras o mato rareou, a água secou e o gado morreu. Só não morreu a vontade do matuto de resistir e esperar. Como há séculos espera, porque a seca passa. Os doutores que não gostam do orvalho, também.. Eles não aprenderam a soletrar a palavra "esperança": uma palavra verde.
*******

Eu morei no Ceará
na seca, em 57
e a tristeza me acomete
só quando quero lembrar
do calor daqueles dias
eivados de agonias
de morte, sede e cansaço
como cristão me embaraço
só de ouvir de um doutor
que poeta tem amor
por qualquer orvalho baço

***

Não é o orvalho doutor
que mata a planta e a cria
no sertão da agonia
não viveria o senhor
que não sabe o que é a dor
de ver plantação morrendo
e a esperança cedendo
seu lugar pro desespero
quando seca até facheiro
quando a terra tá ardendo

*****

Estive em Irauçuba
Lá bem perto de Sobral
vi gente passando mal
debaixo de um galho torto
de um juazeiro bem morto
Em tese á fácil falar
e o orvalho desprezar
enquanto o matuto espera
que a seca, esta megera
lhe deixe ao menos sonhar

****

Esta seca nordestina
é um fato, não é tema
que o poeta tem por lema
é sim uma triste sina
que a esperança nos mina
quando ao sol do meio dia
a canícula anuncia
que a morte espreita a vida
e que a única bebida
é uma lágrima vadia !

Dalinha Catunda disse...

Caro Fred,
Suas interações sempre repletas de informações enriquecem sempre minhas postagens.
Obrigada