A
MULHER NA LINHA DO CORDEL
1
Ao
puxar pela lembrança
E
recorrendo a memória
Pego
o novelo do tempo
Desenrolo
minha história
Sem temer fuso que fere
Adormecendo
a vitória.
2
Minha
tia me ensinou,
Gostar
de literatura
E
com isso adquiri
Bastante
desenvoltura,
Hoje
coso pinto e bordo,
Quando
se fala em cultura.
3
Minha
avó não foi mulher
De
viver só em borralho
Com
jeito e com paciência
Tramava
belo trabalho,
Do
pedaço e das emendas,
Fez
a colcha de retalho.
4
Minha
mãe foi costureira
E
é poeta popular,
Feito
ela eu faço versos
E
gosto de pontear
Nos
versos ou nas agulhas
Não
sou de me atrapalhar.
5
Herdeira
deste legado
Não
quero desperdiçar,
Seguindo
o mesmo modelo
Arte
faço ao tracejar,
Ao
medir cada detalhe
Na
hora de projetar.
6
Já
peguei linha e agulha
Pro
meu cordel costurar
E
num enredo envolvente
Eu
pretendo me embrenhar
Não
vou dar ponto sem nó
Pois
gosto de arrematar
7
Vou
trazer nesta montagem
Um
colorido diverso
Na
hora de alinhavar
Vou
pegar verso por verso
E
de retalho em retalho
Montarei
este universo.
8
Por
trabalhar com fartura
Tenho
pano para manga,
Se
sobrar um pedacinho,
Aproveito
e faço a tanga,
Boto
dois laços dos lados
E
os enfeito com missanga.
9
Aprendi
a fazer casa,
Também
sei pregar botão,
Eu
faço barra de calça,
De
saia e combinação,
Na
emenda e na costura
Sei
fazer Maquinação
10
Se
faço verso e fuxico
Não
é por necessidade,
São
duas tramas diversas
Pra
quem tem habilidade
E
eu gosto de exercitar
A
minha capacidade.
11
Eu
Já costurei caipira
Pros
festejos de são João,
Para
dançar em quadrilha
No
meu saudoso sertão,
E
tudo era alinhavado
Como
manda a tradição.
12
Para
fazer fantasia
Comprava
um corte de chita,
E
para enfeitar a roupa,
Era
renda, bico e fita,
Na
estampa e no babado
Dançava
a moça bonita.
13
No
pedal da minha máquina,
No
balanço do meu pé.
Fiz
traje de são Francisco
Pra
gente que tinha fé
Ir
pagar sua promessa
Pras
bandas do Canindé.
14
Pegando
a linha do tempo,
Nos
tempos da punição,
Quem
vivia no pecado
Para
de Deus ter perdão
O
castigo era mortalha,
Para
ter a remissão.
15
E
só para não perder
O
fio desta meada
Quando
a pessoa morria
Era
pra ser enterrada
Vestida
numa mortalha
Uma
veste encomendada.
16
Quando
morria a criança,
De
anjo era nomeada.
O
caixãozinho era azul,
E a vestimenta azulada
Tudo
era da cor do céu,
Da
sua nova morada.
17
E
no maquinar da vida
As
cores tinham função,
Em
fantasias e mantos
Davam
tom a tradição,
Remontando
este passado,
Registro
a informação.
18
A
minha mãe me contava
Do
seu passado animado
Que
tinha lá dois partidos:
Era
azul e o encarnado
E
no tempo das quermesses,
O
debate era animado.
19
Cada
grupo se vestia
Com
cores do seu partido,
Era
um combate ferrenho
Porém
muito divertido
E
o dinheiro arrecadado
Na
igreja era investido.
20
E
por falar em Igreja,
Em
rezas e ladainha,
Cada
padre que chegava
Em
minha santa terrinha
Em
pouco tempo perdia,
A
vocação que ele tinha.
21
Eu
não sei se era o calor
Da
tal terra nordestina
Ou
tão-só o velho fogo
Por
debaixo da batina
Alterando
nos vigários
A
sua santa rotina.
22
Casou
um e casou dois,
Casou
três e casou mais,
Uns
apenas namoraram
Provocando
alguns ais,
Já
outros tiveram filhos
Sem
registro nos anais.
23
Entre
as pregas da cortina,
E
o franzido do babado
No
levantar da batina
O
fato era consumado
Era
o mesmo que pecava
Dizendo:
tá perdoado!
24
Católica
e pecadora,
Na
igreja fui batizada.
Fiz
primeira comunhão
Finalmente
fui crismada,
Cada
rito uma batinha
Branca,
bela e bem bordada.
25
No
ziguezague da vida,
Eu
já cresci moça arteira,
Esqueci
os mandamentos
Logo
virei mãe solteira,
Levando
sermão do padre
Que
pecou e fez besteira.
26
A
moral e os bons costumes,
Daquela
gente fingida
Que
precisava de emenda
E
tinha a vida puída
Foi
o motivo maior
Da
minha triste partida
27
E
nos moldes dessa história,
O
sagrado e o profano
Dividem
a mesma linha
Disputando
o mesmo pano
Saudando
a hipocrisia
A companheira do engano.
28
No
recorte das palavras
Vim
vestida de poesia
Entrelacei
alguns temas
Que
devia e não devia
Cada
laçada que eu dava
Verdades
apreendia.
29
Cada
ponto desta história
É
conto do meu lugar
Não
aumento nem invento,
Não
venha me contestar!
O
que contei nestes versos
Você
cansou de escutar.
30
Andei
furando meu dedo
Por
não gostar de dedal.
Eu
já lambi muita linha,
Garanto
que não faz mal
E
seguindo o passo a passo
Cheguei
ao ponto final
31
Aqui
só não costurei
A
boca grande do sapo,
Por
não querer ser chamada
Língua
ferina de trapo,
Quer
você goste ou não goste
É
verdadeiro meu papo.
32
Esta
é mais uma história,
Nos
trilhos da minha Linha
Fruto
da minha linhagem,
Com
meu passado se alinha
E
quem assina estes versos,
É
simplesmente: DALINHA!
FIM
Cordel
e capa de Dalinha Catunda
Publicado
em 2013
dalinhaac@gmail.com
5 comentários:
Bom dia
Poesia popular é sempre maravilhosa
Adorei ler
Fique feliz
**************************
http://pensamentosedevaneiosdoaguialivre.blogspot.pt/
Fabuloso...
Sempre as tradições...gostei de ler
O bom que é, são as heranças que ficam. Lindo
beijo
http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/
Tu não deves arrematar nunca, pois deves continuar sempre. LINDO! beijos,chica
Só você, Dalinha! belíssimo!
Parabéns grande poetisa Dalinha, por mais um espetáculo de cordel.
Abraços e votos de mais e mais inspiração!
Josenir Lacerda
Postar um comentário